quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Primeira página


Desta vez, dei por mim inquieta depois de ler o Jornal de Monchique. Logo a primeira página me tinha causado um impulso de surpresa, ao ver uma imagem da ermida de S. Sebastião ser intervencionada, rapidamente substituído pelo desconforto da possibilidade das obras não terem cumprido aquele que teria, forçosamente, de ser o seu objectivo- Preservar o imóvel!


O Editorial tenta despertar as consciências para a importância do registo e do estudo do património, “para o aperfeiçoamento do seu conhecimento, para o desenvolvimento do sentido crítico das pessoas”, uma vez que se trata de um bem que deve estar acessível a todos, porque a todos pertence. Independentemente da tutela jurídica, a dita ermida possui um valor incalculável na memória colectiva de Monchique ao longo dos últimos séculos, e a sua autenticidade não deve, por isso, ser colocada em causa.



Já imaginaram avistar a vila a partir do Pomar Velho, sem a ermida a coroar o núcleo de S. Sebastião?



Quão mais pobre seria a memória do concelho, sem a lenda do último monje do Convento, que seguiu em pranto a imagem de Nossa Senhora do Desterro até à ermida de S. Sebastião, ou ainda a da imagem do santo padroeiro do templo que absorveu a Peste, ao passar pela Rua das Cavalgas?



Naturalmente, terá sido com a nobre intenção de prevenir a ruína da capela que as obras foram promovidas, disso não há dúvida. Para os mais redutores, antes assim, do que a capela ir abaixo.

Contudo, essa perspectiva não abarca o leque de possibilidades que podiam ter sido seguidas para aproveitar o potencial que o singular edifício representa. Antes de mais, as autoridades competentes (IGESPAR, Câmara Municipal) têm de ser mais céleres nos processos de classificação dos imóveis de interesse público, e devem ser parte consultada no que tange às intervenções de que são alvo.

Cabe também aos titulares dos bens com tão frágil protecção a iniciativa de se informarem, antes de iniciar a empreitada, para que sejam feitos os devidos levantamentos (fotográficos, documentais) e estudos necessários à preservação das características que os tornam únicos, irrepetíveis.

Por fim, os próprios cidadãos e suas associações devem ser esclarecidos e participativos, pois são a sociedade que usufrui do Património; ainda mais tratando-se de um espaço religioso, este é pertença dos fiéis que lhe atribuem valor simbólico e cultual. Todos os actores referidos têm, assim, o direito (que é, ao mesmo tempo, o dever) de alertar para práticas incorrectas.



A estrutura que vemos na fotografia do jornal estará realmente ligada a um passado de misticismo islâmico, ou trata-se apenas de uma solução construtiva, por forma a obter um telhado de quatro águas em vértice, tal como o conhecemos?

Dada a provável irreversibilidade da intervenção (que atenta contra as normas teóricas do Restauro definidas ao longo de um extenso debate, desde o século XIX), ficamos agora mais longe de o desvendar categoricamente.

Uma palavra para aqueles que vêem nesta preocupação puras deambulações pseudo-intelectuais sem mínima utilidade (que neste debate também há lugar para os mais economicistas): Monchique só tem a ganhar com o estudo e divulgação do seu património, da sua forma de viver.

O Património edificado tem a capacidade de funcionar como estímulo para o Desenvolvimento sustentável, integrado com as actividades económicais locais, numa dinâmica de cooperação mútua e de articulação entre Tradição e Inovação (como defendido no PENT*), em que todos têm a ganhar. E o lucro não seria apenas económico, mas igualmente reflectido no aumento da estima dos habitantes pela Identidade local, ou seja, por si próprios.

Hoje, o concelho é (vagamente) conhecido no país pelos incêndios, e pela incúria votada ao seu Convento. Não é lamentável que um local com uma beleza natural singular em todo o Sul do país, com uma personalidade tão vincada entre Alentejo e Algarve, e dotado de construções de grande interesse histórico e estético seja obscurecido, quase em exclusivo, pela ameaça àquilo que o define na sua riqueza única?



O Futuro é uma responsabilidade partilhada por todos os que vivem Monchique. O argumento de que apenas “os que lá estão” é que decidem solitariamente os destinos da comunidade deixa cada vez mais de ser uma desculpa válida para a inércia. Porque só tem o direito de se queixar aquele que demonstra pragmaticamente a sua vontade de mudança.





…Antes de fechar o jornal, ao passar os olhos pelos Classificados, uma questão intuitiva logo me assaltou: “onde estão os anúncios de Emprego?”










*PENT- Plano Estratégico Nacional de Turismo (Ministério da Economia e da Inovação)